E agora acabei, assisti as 38h02 em uma semana e fiquei com uma sensação de luto. Faz teeeeempo que uma novela não me empolga.
Curioso que pela minha idade, pelo que ouvia falar, pelo que ficou retido no imaginário popular, era coisa de sandalinha com meia lurex, discoteca com neon... Isso é o de menos ali! Mera perfumaria.
O verbete da Wikipédia se fixa sobretudo a descrever a chegada da protagonista à boate e de forma totalmente incorreta. Se eu tivesse paciência teria consertado.
Pelo menos no compacto(em 12 discos) foi puro chamariz. Forte ali mesmo é a nossa essência do melodrama latino e do famoso vale tudo pra ser alguém na alta roda.
Aliás, há muito de Vale Tudo ali, novela que o mesmo Gilberto Braga escreveria em 1988, dez anos depois. Elenco, nome dos personagens, situações interpessoais e sociais de forma menos evidente.
Situações como a empregada dita como “da família”, mas quando toca a campainha mandam o filho dela abrir a porta, mesmo com todos os adultos sem fazer nada. Ou a ex-empregada que vai até a casa dos antigos patrões fazer um favor e assim que vira as costas reclamam que ela agora só usa a porta da frente.
Espantoso que não havia se passado nem dez anos de Irmãos Coragem (1971) e a emissora já tinha dado um salto técnico e narrativo. Outra coisa a se perceber é que ainda não existia um tipo de interpretação de novela.
Então o texto simplesmente flui! Tropeça-se nas palavras, cochicha-se, cruzam-se diálogos como se fala na vida real. Muito mais fresco e natural.
A trama é simples: Após cumprir metade da pena, presidiária Julia Matos (Sonia Braga esplendorosa!) é posta em condicional. A zica é que sua irmã mais velha, a dondoca Yolanda Pratini (Joana Fomm) ficou criando sua filha, agora uma temperamental adolescente.
Julia sofre o diabo pra ser aceita pela filha, mas em seu caminho aparece o diplomata frustrado Cacá (Antônio Fagundes). Como se vê, muito simples. Tão simples que houve tempo para desenvolver bem os personagens.
Há pelo menos duas que merecem ser destacadas: A referida Yolanda, vilã que não se ferra no final, mas que vai aprender o que lhe fazer sentir completa além das frivolidades de aparecer nas colunas sociais. Não chega a ficar boazinha, mas vai ralar como qualquer mortal.
Outra é Aurea, da saudosa Yara Amaral, religiosa venenosa, dona de casa sacrificada e mãe rígida, foi inspirada na mãe do autor, embora torna-se para não ter o mesmo fim dela. De capítulo em capítulo ela é cômica e trágica...
Voltando à mocinha, após um ponto (não darei spoilers, fique frio!) acontece a virada da personagem e de todos os outros. Ao contrário do que poderia acontecer, é um dos momentos mais mornos, porque a trama demora a decolar de novo.
A Julia que amávamos, pura e perdida, desaparece. Vira uma doidivana sacolejando na discoteca com roupas espalhafatosas após voltar da Europa.
Essa também é uma das ousadias do roteiro. Lembra em Vale Tudo quando a Raquel quer dar a volta por cima vendendo sanduiche na praia? Trabalhando honestamente?
Aqui a mocinha promete vingança agindo exatamente como a irmã vilã! Sendo até pior que a Yolanda, já que também casa com o milionário humilde Ubirajara (Ary Fontoura) e o deixa abandonado num canto, preferindo rodinhas de maloqueiros prafrentex.
Enquanto isso tudo acontece, há a ambientação da época mais berrante da história recente. Cenários, cabelos, roupas, maquiagem e gírias são divertidíssimos.
O elenco todo num bom nível, cheio de rostos novinhos, muitos já finados, outros que simplesmente tomaram chá de sumiço e alguns que se tornaram grandes astros. A filha Marisa, quem diria, virou a unanimidade Gloria Pires!
A “debilóidezinha” da Marisa, do jeito que a Solange (Jacqueline Laurence) a chama, num dos melhores catfights politicamente incorretos que já vi na vida. Laurence solta o verbo em cima da garota mimada, coisa que devia estar entalada na garganta de todos os telespectadores.
O diálogo é enorme, afinadíssimo e culmina com a pirralha gritando “Francesa desgraçada!”. Memorável!!!!
Famoso o ajuste de contas final entre as duas irmãs, mas o tempo todo acontece coisas vibrantes. Não faltam momentos inesquecíveis, cenas longas com texto primoroso, para apreciação de poucos.
Boa notícia! O produto da Som Livre/Globo Marcas está anos luz do defeituoso lançamento de Irmãos Coragem.
A edição está muito mais cuidadosa na hora de compactar os capítulos. Agora até incluíram créditos aos responsáveis.
Alguma magia (ou tecnologia?) aconteceu, porque embora com 33 anos, a imagem está superior a outros DVDs da empresa, como Boca do Lixo de 91 ou Engraçadinha de 95. Dá pra ver em TVs modernas a textura do compensado pintado nas paredes do cenário.
Essa qualidade não se estende ao áudio. Abafado, ás vezes é difícil de entender mesmo com o volume alto.
Na capa trocaram a sandalinha com meia de lurex (da abertura e da trilha sonora) pela protagonista no momento de catarse na discoteca. Foi parar na contracapa e nos menus animados.
Os 12 discos estão disponibilizados sobrepostos numa embalagem tipo livrinho. Tensão toda vez que temos que guardar os que ficam embaixo.
Como bônus está no último DVD depoimento do autor Gilberto Braga e do diretor Daniel Filho. Antes isso do que nada, mas é pouquíssimo para algo que marcou época.
Imagino as maravilhas que a Globo deve ter em seus arquivos. Se incluíssem as chamadas originais já seria algo a mais.
Não entendi a divisão dos capítulos. Cada disco tem apenas cerca de 3h30, sendo que o 11º tem uma hora a menos que isso, e o último apenas o capítulo final com as duas entrevistas curtas.
Coisa que faz realmente falta é um livreto com os rumos da trama por disco. Depois dá um trabalhão encontrar em qual deles está aquela cena que queremos rever.
Dica pra quem assistiu e quer mais: Recomendo agora o filme Bye Bye Brazil (1979 de Cacá Diegues) que acontece num “universo paralelo” enquanto a novela mexia com a cabeça dos brasileiros.
Veja também:
Irmãos Coragem em DVD
Boca do Lixo em DVD
Fazendo sala 70's
Lídia Brondi sabia escolher as amizades
[Ouvindo: Say Farewell After the Dance – Chieho Baisho]
Ótimo post, Miguel. Devia virar o artigo do Wiki.
ResponderExcluirEu assisti a 105 capítulos da DD baixados da internet (gravados na época da primeira exibição no GNT nos anos 1990 - Disponíveis 114 capítulos), infelizmente, quem assistiu essa versão percebe que a Globo Marcas ainda peca muito, mas muito, na condensação das novelas etc para DVD. Porém não há dúvida do louvável trabalho de remasterização de imagem. A imagem está impecável no DVD.
A novela é absurda de boa, os atores fenomenais, e há cenas incríveis, inesquecíveis.
Amo o 'Bye Bye BR'! Há uma cena em que numa praça pessoas assistem em uma TV à Dancin' Days. Lembra?
Abraços.
Cau, mas eu curti assim. A barriga realmente me irritou! Guardei estes episódios do GNT como backup. rs
ResponderExcluirAparecem várias cenas da novela. O povo deixa de ir assistir ao show deles pra ver a novela.
Por que falam mal da Globo?
ResponderExcluirSó pode ser birra. Até porque basta desligar, né?
Refer, pois é! Agora com controle remoto é ainda mais fácil.
ResponderExcluirFalam mal da Globo porque brasileiro faz crítica não pelo valor intrínseco, mas pelo gosto de "desafiar" coisas grandes e estabelecidas. Quando não pelo complexo de Davi, pelo menos na esperança de ganhar alguns trocados de indenização numa suposta ofensa.
ResponderExcluirMiguel, que jornada!!! É como começar um livro não parar mais! Sugiro, pra complementar, a leitura dos livros do Nelson Motta: ele sempre fala de como se deu esse negócio de Dancin' Days.
Olha, tá lá no Noites tropicais: a primeira boate com esse nome surgiu antes da novela, e teve vida intensa, meteórica e ilegal. NM vendeu os direitos de nome para a Globo e, por causa da novela, a casa ressurgiu com sucesso ainda maior. Capítulo "Noites Frenéticas" em diante.
E, sim, os cenários ainda eram bem pobrinhos. Mas isso era o de menos diante das tramas e das atuações. E, sim, foi uma febre que atingiu todas as classes sociais.
Letícia, fico de bode com nego que se presta a falar mal de novela todo santo dia. Putz! Como se fosse uma obrigatoriedade assistir.
ResponderExcluirEntão... Até Nelson Motta poderia ter sido entrevistado. Embora o Daniel Filho comente o lance da boate na entrevista.
Mas puxa, que material rico poderia ter o DVD alé da novela. Um preço tão salgado, sendo que devem ter restaurado pra exibição no Viva, o que gerará mais $$.
Dá raiva esse lucro exorbitante e fácil sempre. Nunca ela faz um produto 100% ok!
Falando em cenários, coisa chata o Gilberto Braga explicando nos extras que a novela parecerá POBRE! Quem assiste isso vai se importar?
Faz parte da graça da coisa. Não entendo qual o problema.
Ah, essa febre é bem visível nos confins do Brasil no filme do Cacá Diegues. Lá na PQP tem espinha de peixe e todo mundo ligadinho na Julia matos! :D
Vocês viram aquele "Por Toda Minha Vida" das Frenéticas? Até o programa poderia ter entrado como extra então.... Porque ele tem entrevista sobre como surgiu o Dancin' Days, várias passagens com Nélson Motta e quem viveu a época... E a novela é citada várias vezes. Ok, é sobre as Frenéticas, mas tem muito de Dancin' Days ali.
ResponderExcluirAgora é com vc, Miguel. Vai lá e escreva O LIVRO sobre Dancin'Days!
ResponderExcluirDaniel, As Frenéticas fazem até participação especial em um dos episódios. Poderia ser incluído sim!
ResponderExcluirRefer, até salivei com a ideia! Pensou o que dona Julia Matos (a moça do chiclete) tem pra contar?
Não teve uma novela de GB recentemente (cenários "ricos") que foi uma droga?
ResponderExcluirLetícia, sim! que ele fala nos extras de boca cheia que ao contrario DD, ele teve uma equipe que seguiu a sinopse... ¬¬
ResponderExcluirAhã...
ResponderExcluirLetícia, esse senhor me pareceu meio alienadinho com o que está fazendo. No alto do pedestal...
ResponderExcluirO DF é bem mais reverente.
É, nesse episódio Nélson conta a história do nome "Dancin' Days", de como as Frenéticas apareceram e que, devido ao sucesso do empreendimento e das músicas que ali tocavam, virou o nome da novela (e praticamente a história da boate em si). E que tudo teve início pelas idéias de Nélson Motta e... Marília Pera!
ResponderExcluirO melhor do "documentário" é o tanto de artista falando, ao final, que não poderia contar o que acontecia lá dentro. Senão ou a sociedade iria ficar chocada ou a polícia iria chiar, rsrrsr
Daniel, e foi uma boa sacada. Pq marcou e nem é tão importante assim na trama.
ResponderExcluirÉ só um dos cenários. pelo menos na edição do DVD.
Vou procurar esse documentário pra ver.
Daniel, acho que essa época do DD foi o último suspiro da noite carioca, em que as boates tinham papel-chave nos encontros e nas decidões da cidade e (antes de 1975) do país.
ResponderExcluirE a coisa era bem mais liberal, sim. Hoje tudo murchou, o glamour e a liberalidade acabaram.
Eu ia falar uma coisa, mas compromete a mim e ao Miguel. O que posso dizer é que o Rio ficou evangélico. Ponto.
Letícia, a noite era tão importante, que a Danuza Leão, então RP da Hipopotamus, aparece três vezes como ela mesma na novela.
ResponderExcluirInclusive, dando a entender, que ficou no último capítulo com o ricaço interpretado pelo marido da Murtinho.
Se bem me lembro, Danusa Leão inaugurou a pindaíba das socialites que precisavam trabalhar, e ser RP em discoteca era uma alternativa digna.
ResponderExcluirLetícia, e foi por muito tempo. Ou era RP ou arrumava um empreguinho em alguma revista de moda.
ResponderExcluirAssim aconteceu com Yolanda Pratini, uma espécie de Regina Guerreiro da revista Faces. rs
Letícia, acho que não foi o último suspiro das noites cariocas não. De grande parte do mundo... A década de 80 já entrou "catalogando" pessoas, tipos, cores, tendências... Em um ds episódios do Quuer As Folk, o tio de Michael, um dos protagonistas, diz que nos anos 70 - e em toda era Disco - é que viver valia a pena. Dentro das boates, de tudo se rolava, de tudo acontecia, independente de você ser preto, branco, rico, pobre, bi, tri, penta, feio, bonito....
ResponderExcluirEnfim, as pessoas se atraiam por pessoas - e você podia cheirar com seus ídolos, sem muita babaquice de máquinas fotográficas, autógrafos, idolatria....
Hoje, as pessoas saem atrás de tipos e tendências que o atraia. E ponto. O resto é feio, insignificante e burro.
Gosto da noite, sabe? Gosto de boates e tals... Mas chega uma hora que cansa. Sempre um desfile blasè de alguém a caça... Muitas das vezes, nem se importando em se divertir de fato!
Daniel, acho que é da idade. Já gostei, hoje quero distancia!
ResponderExcluirSem folego pra tolerar gente de nariz em pé e bucho vazio.
Miguel, isso! Escrever também é "pra lá de digno". Até acho a DL um tiquinho acima do pensamento geral (comparando a um jornalista profissional, por exemplo), mas isso não tira o raso de suas análises.
ResponderExcluirDaniel, foi em todo o mundo, sim. Não sei se foi só influência da AIDS ou se a humanidade tem curvas de liberdade X obscurantismo. Ou se é a economia que manda nisso, não sei...
Nunca fui muito da noite, mas havia no Rio, sim, essa ânsia de se grudar com artistas. A diferença é que era mais fácil. Eu mesma, por força do estudo, trabalho e mezzo círculo social, deparei com alguns, e por vezes percebia que minha timidez/posicionamento discreto incomodavam. O cara queria, sei lá, que eu fosse lá bajular, pedir autógrafo...
Eu acho - só acho - que a coisa se ampliou, há mais gente interessada no glamour. Isso fez o jornalismo de celebridades estourar, e hoje qualquer funcionário de revista Faces, como disse o Miguel, tem muito menos educação e senso de ridículo do que um comum daquela época que eventualmente compartilhava coisas com artistas e tal.
E, se já naquele tempo eu não tinha paciência, imagine hoje! Semana passada tinha de ir à Cultura comprar uns livros. Eu olho a programação da livraria antes e, sinceramente, desisti, porque naquele dia havia um big lançamento que deixaria o local, no mínimo, uma sauna. Acabei não podendo ir depois. Semana que vem, quem sabe, mas... olhando antes se tem algum mico marcado.
Verif. de palavras: calothy. Um calote chique.
Letícia, ruim agora na posteridade terem levado DL a sério. Não sei se é pq escreve na Folha...
ResponderExcluirDanuza era divertida escrevendo. Só divertida!
Lets, quanto ao resto, concordo. A noite sumiu nos 80. A noite como febre.
Foi ressurgir lá por 93/94.
E hoje até os jornalistões viraram celebridades deslumbradas. Não sei pra onde esse mundo caminha...
Sei lá o tanto que resta de amizades por conta do marido morto há décadas...
ResponderExcluirFestas sempre têm, mas não são a mesma coisa. Hoje, só se uma grande empresa bancar, e aí tem a preservação da imagem corporativa, e tal.
Letícia, o mundo está morto! Grandes corporações querem viver no nosso lugar! rs
ResponderExcluirA gente deixou, e hoje até prefere...
ResponderExcluirLetícia, sim! Embora o preço seja alto.
ResponderExcluir"Mas vale!"... É o tal rolinho de que falei num post acima.
ResponderExcluirLetícia, entendi!
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