Nos anos 50 revista pôs em xeque se o cinema colorido vingaria

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 Difícil acreditar hoje que a cor no cinema pudesse ter sido encarada como um recurso estético meramente passageiro, supérfluo. A revista Manchete indagou em sua capa em 1952 se “o colorido dominará o cinema”.

Ali atrás, as cores junto ao Cinemascope foi um recurso urgente dos estúdios hollywoodianos para competir com a emergente TV, quadrada e em preto e branco. Ainda assim, até os anos 60, a cor ou preto e branco eram opções estéticas e comerciais.

No artigo da revista, assinado pelo jornalista Salvyano Cavalcanti de Paiva, relembram quando o Technicolor aparecia em momentos específicos dos filmes e ajudavam a contar a história, sendo que fora disso, apenas dispersam a atenção. Essa discussão assemelha-se à que existia nos anos 90 quanto ao uso da computação gráfica.
Fay Wray no arcaico sistema de cor de Os Crimes do Museu
Paiva cita como bom exemplo Museu de Cera (Os Crimes do Museu de Michael Curtis) que levou cor ao cinema de horror em 1934, mas que, embora tecnicamente avançado, de ...E O Vento Levou (1939) ao então recente David e Betsabá (1951), o uso da cor não teve expressividade nenhuma.
A popularização das cores com Susan Hayward como Betsabá
E mais! Disney alcançou grande feitos artísticos com as cores em filmes como Branca de Neve (1938), Bambi (1941) e Dumbo (1942), mas ao industrializar a técnica caiu de qualidade como atestariam “Você já Foi à Bahia?” (1944) e Cinderela (1950). Segundo a matéria, nos EUA ele está (em 1952!) superado diante de Tex Avery e Fred Quimby, “O notável autor de Bugs Bunny” (na verdade a criação do Pernalonga é reconhecida a Tex Avery).

Aí ele pede a opinião não de cineastas ou críticos, mas dos principais artistas plásticos do Brasil. Por exemplo, Ivan Serpa acha que o uso da cor é de grande importância, mas não se deve abandonar o preto e branco e a pioneira Georgina de Albuquerque acreditava na capacidade simbólica do uso da cor e aguardava que no futuro o cinema colorido fosse mais natural.

Existe um olho na matéria com a opinião do cineasta e ator austríaco Erich Von Stroheim que mata a obvia charada: "O cinema de amanhã não poderá ser senão em cores e em relevo porque a vida é colorida e em relevo". Quanto ao relevo, por enquanto, o 3D funcionou aqui no século XXI como ali na metade do século XX em filmes como O Monstro da Lagoa Negra (1954).
Parecia ser a salvação da lavoura, mas logo foi perdendo o interesse. Meu palpite é que não existem histórias o suficiente que precisem ser contadas em 3D, ou o recurso fica banal e ainda atrapalha (tal e qual se reclamava do colorido em 1952?).


3D funcionou lindamente para mim em Avatar (2009) numa tela de Imax (a trama até acabava por atrapalhar o deslumbramento das imagens), mas vi outros que o recurso simplesmente era desnecessário para o desenrolar. Não havia a menor justificativa para usar aqueles óculos e se você já usar óculos de grau, aumente o desconforto.
Página da matéria da revista Manchete de 1952
Voltando ao uso da cor, logo se tornaria comum para filmes de apelo popular e o preto e branco ficaria para público restrito, como filmes de arte e noir. Ou também para produções de orçamento mais baixo, como as ficções científicas B.

O sistema de cor (Technicolor, De Luxe, etc) era dispendioso. Causou estranhamento quando Alfred Hitchcock anunciou que seu Psicose (1960) seria em preto e branco e justificou, como bom marqueteiro que era, que dessa forma o sangue seria menos chocante.
Psicose: Uma experiência de orçamento e narrativa
Mas Hitchcock tinha se dado a meta de rodar um filme de sucesso tão barato quanto um episódio de sua série na televisão. E por tanto, não tinha como ser colorido mesmo.

Em 1961 Marilyn Monroe enviou um memorando à Fox exigindo, entre outras coisas, participar apenas de produções coloridas. Ela é sem dúvida o nome mais famoso da década de 50, e após ficar bem conhecida participou apenas de duas produções em preto e branco: Quanto Mais Quente Melhor (59), dizem que por razões estéticas da maquiagem feminina nos atores, e Os Desajustados (61), produção dramática autoral.
Marilyn Monroe em espetacular Technicolor (Torrentes de paixão/Niagara, 1953)
E agora aqui em 2019 preto e branco só em filme hipster, ultra autoral, pra meia dúzia de gatos pingados aplaudirem. Grande público tem horror a qualquer coisa que exija qualquer esforço, seja com leitura, seja com barras pretas, seja ter que imaginar as cores.

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