Entre o punhadinho de histórias involuntariamente risíveis que roteirizou e
dirigiu, está Glen ou Glenda (Glen our Glenda, 1953). Este filme que mistura
documentário com drama de forma absurda foi sua estreia em longa metragem.
Bela Lugosi e Ed Wood em Glen Ou Glenda |
Nele o próprio diretor interpreta um homem que vive o dilema
de se vestir de mulher e também de uma mulher que que é homem. Parece simples, mas nada na cabeça de Ed Wood
é simples, então acrescente aí o ator Bela Lugosi interpretando uma espécie de
divindade.
O filme é bom? É pavoroso! Exige paciência e um pouco de aceitação
da plateia a encontrar a lógica de tantas imagens estapafúrdias e diálogos entre
o ingênuo e o medíocre. Chega a constranger!
Mas ele não pode ser visto apenas assim, mesmo aqui em 2019,
preserva uma inestimável peça à discussão de gênero. Eu fiquei feliz com a
referência a ele no vídeo sobre filmes “com drags” do canal Tempero Drag que o
recomenda (confira a partir dos 8:25).
Tim Burton dirigiu uma brilhante cinebiografia sobre sua
vida de Ed Wood em 1994 e seus filmes
ganharam interesse popular a partir dali. Glen ou Glenda foi o primeiro dele a ser
distribuído em VHS no Brasil, mas com o passar do tempo arrefeceram como
qualquer piada.
O que a Rita Von Hunty, a dona do canal, sublima, deixando
bem claro que é não seu filme favorito ou que seja um bom filme, é que Glen ou
Glenda não é uma piada. É uma tentativa de se falar sobre identidade de gênero
ali, na primeira metade dos opressores 50’s, com a América apoiada em seu way
of life, quando, conforme a apresentadora, “homem é homem, mulher é mulher e
matem todo o resto”.
O lendário Ed Wood |
Em meio a isso (um tempo em que hoje as pessoas insistem em
achar que era dourado, mas era o oposto a isso) alguém teve a coragem de fazer
um filme dizendo que nem todo mundo se enquadra no papel do papai ou da mamãe.
Rita recomenda a todos os que estão estudando gênero e disposto a “entender,
desbravar ou qualquer coisa”.
Já falei de Ed Wood aqui neste blog muitas vezes, principalmente
por colocar no topo o filme de Tim Burton a seu respeito, e algumas
especificamente sobre Glen ou Glenda. Nele, Wood tentou aproveitar a história de Christine
Jorgensen que estava nos jornais da época por ser uma das primeiras mulheres
trans a se submeter à redesignação sexual.
Ed Wood como Glenda, em seu filme de estréia |
Como o diretor gostava de praticar o cross-dresser, aproveitou
também para protagonizar e incluir o tema em seu roteiro. Lembre das coisas fofas que Hollywood
fazia, das músicas doces que ouviam, tente encaixar ali no meio Glen ou
Glenda e veja quem estava sendo verdadeiramente relevante a seu tempo.
Em outro paralelo inevitável que faço, Ed Wood, “O idiota”,
lá em 1953 estava à frente até do Brasil de 2019. Ao contrário de nosso atual governo (e de boa parte da opinião popular), Ed Wood já sabia que meninas não precisam vestir rosa nem meninos se restringir ao azul.
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