Super-herói brasileiro contra a Censura Federal

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Em 1984 a Ditadura Militar no Brasil dava seus últimos suspiros, mas ainda se agarrava ao que podia: Censurar! No período pelo menos já se podia noticiar que ela existia, ao contrário de épocas mais duras onde não se podia revelar casos de corrupção e abusos do governo.

A novela Vereda Tropical foi ao ar de julho de 1984 até fevereiro de 1985 no horário das 19 horas da TV Globo e representa um pouco o momento que vivíamos. Escrita por Carlos Lombardi e Silvio de Abreu, três dias antes de sua estreia, numa sexta feira, a Censura Federal proibiu a trama de ir ao ar naquele horário, exigindo 32 cortes no primeiro capítulo, segundo a página de memórias da emissora.

Lombardi, Abreu e representantes da Globo tiveram que esperar a segunda-feira para voarem até Brasília pela manhã e negociar com o DCP (Divisão de Censura de Diversões Públicas, Órgão Federal criado para censurar o que era produzido na TV, rádio, cinema e teatro) até conseguirem liberar o que seria exibido algumas horas depois. Após a novela ser anunciada por meses, muitos capítulos gravados, empregos gerados, poucas horas antes de sua estreia ainda estavam tendo que se explicar para ela ser liberada.

Tudo Isso É TV
Ainda assim, a história de Vereda Tropical aproveitava o espirito de chanchada para tocar em alguns pontos importantes para o país, como eleições na fábrica de perfumes em que a trama girava. Todos com figurinos verde e amarelo, embora fosse apenas a disputa de presidência de uma industria.

E claro, a mocinha Silvana, interpretada por Lucélia Santos, era grevista e lutava contra o poderoso dono da empresa de perfumes em que trabalhava, interpretado por Walmor Chagas. Não por acaso, o avô de seu filho Zequinha (Jonas Torres), que quer pegar para si a guarda da criança.
Memória Globo
Mas não vivianos a ditadura? Sim, vivianos! Censores podiam até deixar passar coisas relativas a política (afinal, era só uma comédia rasgada), mas se focaram em temas conservadores, que mexem muito mais com o telespectador mediano.

Tanto que até hoje existe para alguns a ilusão de que aqueles tempos eram uma maravilha, não havia corrupção e o governo nos protegia da "bandalheira". A censura, aos olhos de muitos, só existiu para defender “a moral e bons costumes”, nunca para esconder desvios do governo.

Foi assim que o personagem Teo do Marcos Frota correu risco de desaparecer da trama, segundo contou o autor Carlos Lombardi a revista Amiga daquele ano, escaneado e publicado no blog Tudo Isso É TV. A censura federal pediu explicações maiores sobre o fictício “chá de raiz de corajeira” que o personagem tomava para se transformar no descolado Cazuza.
Tudo Isso É TV
Várias cenas já haviam sido aprovadas antes deles identificarem como possível “erva alucinógena”, conforme Lombardi disse à época. Assim sendo, Cazuza desapareceu da trama e ganhou destaque o herói Super Teo, alter ego do personagem quando se imaginava corajoso, que estava em segundo plano após o aparecimento do chá na história.

O autor ainda denunciou que a censura federal agia com frequência em seu texto, cortando diálogos como os de Silvana e Luca (Mario Gomes) sobre viverem maritalmente sem serem casados oficialmente. Em outra edição a revista Amiga também publicou que o romance entre os personagens de Angelina Muniz e John Herbert teve que voltar pra traz a mando da censura já que ele era casado e adultério não podia.

Parece que estamos falando de 1930 ou uma outra era muito remota onde tudo escandalizava, mas era apenas 35 anos atrás. Mesmo com o fim da Ditadura em 1985, o DCP continuaria existindo até 1988, quando a nova constituinte nos trouxe a tão almejada democracia plena.

Veja também:
Censura e as mentiras que a memória nos conta

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