Mulher Aranha e o circuito Molina

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Voltar a um filme muitos anos depois é como aquele cliché sobre o rio, sabe? Nunca dá pra entrar no mesmo, porque ele nunca é o mesmo.

No caso de cinema somos nós que jamais somos os mesmos da primeira vez em que assistimos. Assim, rever o Beijo da Mulher Aranha (Kiss of the Spider Woman, 1985 de Hector Babenco) foi uma surpresa.

A começar pelos aspectos técnicos da cópia, que eu tinha tido acesso apenas em VHS, aspecto da tela 4x3, 100% dublado em português pela Globo Vídeo. Escopo, contrastes e matizes equilibrados são outros quinhentos, óbvio.

Outra coisa foi minha falta de maturidade em compreender os conflitos dos personagens quando adolescente. Aluguei a fita lembrando o oba-oba que foi das quatro indicações ao Oscar do passado, não porque houvesse alguma afinidade com o assunto.

Qualquer referência mais profunda ao cinema passou batido por mim. Por exemplo, o personagem Spider Lady de Carol Forman no seriado Superman, provável fonte de inspiração do figurinista Patricio Bisso, assim como qualquer roupa assinada por Adrian que vestiu Joan Crawford no cinema noir.

Bisso mesmo aparece reproduzindo o famoso número da pinup vestida de balões, celebrizado por Betty Hutton. Sonia Braga, latiníssima povoando o imaginário do guerrilheiro Raul Julia como diva alemã, chega a cantar em alemão com jogo de cigarro a lá Dietrich.

Braga foi com justiça indicada ao Globo de Ouro pelos três papeis que interpreta. Foi ainda para ela (e Denise Dumont) o passaporte para uma carreira hollywoodiana.

Coprodução entre Brasil e EUA, adaptando o livro do argentino Manuel Puig, soa fora dos eixos o cenário brasileiro sendo que William Hurt é tão americano. Se passa num país não identificado, mas tudo é muito brasileiro, exceto o ator que parece decalcado do resto.

Ainda assim a academia lhe premiou com o Oscar de melhor ator por seu trabalho como o homossexual Molina. Seu discurso ao receber o prêmio nervoso e tentando falar nossa língua é um dos mais emocionantes (assista aqui): “Babum, babum, babum... Saudade, Brasil!”.

Interessante identificar as locações das filmagens pelo Google Street View. Lamento não conseguir a da saída de Molina da prisão porque a região está bem mudada, além das minhas desconfianças de que não é realmente a porta do Carandiru que aparece.

Mas quanto ao gran finale, dá pra sinalizar bem o centro de São Paulo. Veja as imagens abaixo, com a cena do filme em destaque:

E eu esperava que geograficamente fosse algo estrambólico, como geralmente é os filmes. A trajetória dos personagens faz sentido, começando pelo viaduto Boa Vista onde Hurt passando por baixo avista os policiais o observando.

Na primeira vez que fui á Catedral da Sé lembrei exatamente desta cena assim como do tiroteio que acontece a seguir.

Fugindo, Molina entra na ruazinha Anchieta, que vai dar de frente ao Pátio do Colégio. Os guerrilheiros armados(atriz Ana Maria Braga, constantemente confundida como você sabe quem) estão parados com o carro no viaduto Boa Vista.

Não sei como o histórico Pátio do Colégio (onde São Paulo foi fundada) não virou point de turistas tirando fotos nessa posição do William Hurt.

Turistas fazendo o circuito Molina. Que tal?

A imagem da Spider Lady é um oferecimento CinespaceMonster

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4Comentários

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  1. Não virou a nossa Abbey Road porque o filme não foi exatamente um estouro de bilheteria, Miguel. Se me lembro bem, circulou mais no circuitinho culturette.

    Sabe que fui catar a cena da saída do Molina e não consegui atinar onde é? Só onde não é. A portaria do antigo Carandiru era larga e reta, em uma avenida tb. larga, e não esse art-déco da fachada, pequena, nessa rua estreita. Até porque, na cena seguinte, alguém o olha no bar por entre a persiana da janela em frente, o que seria impossível desde a portaria do Carandiroba. Imagino, pela pinta da rua quando ele atravessa, que seja um lugar público (uma delegacia, uma repartição qq.) num bairro bafão, Champs Elisée, p. ex.

    E depois pega um ônibus da Viação Bola Branca, o que tb. não ajuda. Mas passa, certamente, pelo Minhocão: 1) Pela grade de concreto. 2) Pelo prédio branco, largo, que se vê a meia profundidade aos 1:37 (http://www.youtube.com/watch?v=swLKnNH_lR8&feature=related).

    É o mesmo que se vê neste vídeo aqui (http://www.youtube.com/watch?v=0mBGLXHjkvs&feature=related), aos 0:36. Lá pela altura da avenida Pacaembu, rua Tupi, prédio da Receita Federal e pá e coisa.

    No mais, gratíssima pela provocação pesquisatória, que muito me apraz.

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  2. Letícia, né? E eu era pequetitinho em 85. Só vi quase dez anos depois.

    Olha, vamos lá! Na sexta eu só fiz este post pq fiquei HORAS tentando identificar que lugar era esse. Dei mil voltas pelo Google Street pra tentar ver se havia alguma entrada alternativa.

    "PISTAS" que consegui: Ao lado do portão que ele sai tem a fábrica da Crush!!! Dá pra identificar a placa.

    VEJA A IMAGEM AQUI

    Dei uma googlada e li que ficava no Carandiru! Não sei se o comentário que cheguei num site está correto.

    Mais! Ao lado ficava o Cine Sol (não lembro mais se era esse nome) que o Silvio S. Comprou pra transformar no antigo teatro dele.

    Touché? Fácil chegar ao antigo SBT, mas ao lado em nada parece o que se vê no filme. Impossível ter mudado tanto.

    Pista errada!!!

    http://g.co/maps/p9u3g

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  3. Tenho um VHS de "O Beijo da Mulher Aranha" e até hoje não consegui rodá-lo no meu aparelho. É o filme que mais tenho curiosidade em assistir da filmografia do Hector Babenco.

    Adorei os screenshots que você publicou aqui. Fazendo um comparativo, até que certos pontos de São Paulo não mudaram tanto assim. Nem sabia que a Catedral da Sé havia servido de cenário para a produção.

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  4. Alex, grandes cenas acontecem ali na Sé. Com povão de figurante e tudo.

    Olha, recomento que vc não assista em VHS. Fotografia danificada, áudio adulterado, etc.

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