Sua majestade, a rainha Aracy Cortes

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Difícil falar de Aracy Cortes sem cair no clichê de “Mulher à frente do seu tempo”. Nascida em 1904 no Rio de Janeiro, a menina Zilda de Carvalho Espíndola foi criada com dificuldades financeiras pela madrinha de moral rigorosíssima nos efervescentes anos do começo do século passado.


Geniosa, escapou dos desígnios reservados a mocinhas da época para se dedicar à música, cenário então, dominado por artistas do sexo masculino. Ficou muito conhecida nos palcos por se apresentar e interpretar de jeito bem despojado, distante das outras bem comportadas cantoras que se espelhavam nas artistas internacionais.

Participando dos teatros de revista, Aracy Cortes tornou-se a primeira grande cantora da Música Popular Brasileira quando tanto o rádio, indústria fonográfica ou a mídia em geral apenas engatinhava no Brasil. Bem humorada e desbocada, suas brejeiras apresentações eram memoráveis, gerando incontáveis admiradores.

Surpreendeu a todos quando anunciou ao final da década de 20 que se casaria com o bailarino espanhol Pablo Palos, já que demonstrava ser duro na queda no ramo afetivo. A turbulenta união durou até seu único filho morrer, com apenas quatro meses.

Pioneira a atravessar o Atlântico para apresentações, excursionou por pela Europa em 1933 junto ao Oscarito na Companhia de Jardel Jércolis. Sua figura coloquial antecedeu Carmen Miranda, a quem se referia por toda a vida como “A outra”.

Fila na estréia de sua própria Companhia em 1931
Falando em rivalidades, o campo não era fácil nas escadarias espelhadas do teatro de revista. Qualquer empresário sabia que jamais poderia haver duas grandes vedetes no mesmo espetáculo, disputando a atenção do público.

 Era notório que Aracy não tinha temperamento dos mais fáceis. Por causa de um problema contratual, ela, já muito mais popular, teve que dividir o espetáculo “O Bode Está Solto” com Virginia Lane, o que transformava a plateia numa espécie de torcida partidária.

A memória registra que o samba na veia de Aracy, claro, suplantou as belas e maliciosas pernas de fora, ornadas por plumas de Virginia Lane. Só houve uma Rainha do Teatro de Revista.

Junto a seus holofotes surgiram nomes que se tronariam mitos da nossa arte, como Ary Barroso, Assis Valente, Clementina de Jesus e mais tarde, Paulinho da Viola. Dos primeiros sucessos destaca-se Jura, composição de Sinho, gravada por ela em 1928 (Ouça no player abaixo ou clicando aqui).


De origens controversas, “Linda Flor (Iaiá/Ioiô/ Ai, ioiô!)”, sob composição final de Luis Peixoto, ficou imortalizada em sua voz, embora também gravada um pouco antes, com a letra levemente alterada, por Chico Alves e Vicente Celestino. Depois, todas as cantoras respeitáveis do país a regravaram, de Isaura Garcia, Dalva de Oliveira, Elizeth Cardoso a Maria Bethânia, Alcione, Tetê Espíndola e Ná Ozzetti.

Em 1984, no show do projeto Linda Flor
Aracy a incluiria no histórico musical “Rosa de Ouro” de 1964 e ficaria tão marcada pela canção que sua biografia, escrita em 1984 por Roberto Ruiz, é subintitulada Linda Flor. “Rosa de Ouro” marcaria um logo hiato em sua carreira.

Só voltaria aos palcos em 1976, aos 72 anos, no show “Uma Rosa na Boca da Noite”, em que cantava, dançava e contava histórias de sua vida num vocabulário que a empresa 70's chamou de “ainda hoje bastante desbocado”. A mesma imprensa que a designava aquela altura como “talvez o mais consumado, temido e respeitado monstro sagrado de sua atividade profissional: o teatro de revista".

Faleceu em 1985, aos 81 anos, em sérias dificuldades financeiras. Mesmo com a gigantesca trajetória registrada nos anais da cultura brasileira, não conseguia provar à Previdência Social seus anos de trabalho...

A primeira imagem é um oferecimento Dr. Zem, a segunda e terceira Teatro e Revista Brasileira

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