Só fui usar o banheiro da escola no colegial de tanto medo da loira que o assombrava. A entidade apareceria num banheiro específico pedindo ajuda para que lhe tirássemos o algodão do nariz.

Para meu azar, troquei de escola na terceira série e lá havia outra assombração de cabelo descolorido. E ninguém parava pra discutir a possibilidade, muito mais plausível, de ser uma grande mentira!
Todas as escolas do Brasil tinham suas loiras que depois de mortas iam fazer a linha banheirão. Totalmente incorporada ao imaginário popular, a Loira do Banheiro foi tema de historinha da
Turma da Mônica e de um filme
X-rated.
A extinta revista General (editora Acme/Sampa) desvendou o mito. Em sua edição 13 conseguiu entrevistar um de seus criadores, Mário Luiz Serra, ex repórter do Notícias Populares, que na ocasião em que assumiu a farsa, trabalhava em Jundiaí como pacato professor de cursinho universitário.
Ao entrar para o NP em 1966 o jornal corria o risco de fechar, então começaram a apimentar situações. Leia alguns trechos da entrevista concedida à repórter Rute Domitila:
“Num domingo, chegamos à uma hora da tarde na redação e não havia acontecido nada naquele dia. Ligamos para o IML, ninguém estuprou ninguém, nenhum amante se suicidou... Era, enfim, um domingo tedioso. Caiu na nossa mão uma foto de uma funcionária do NP, encarregada do tráfico interno.
Você lembra o nome dela?
Era um nome próximo de Luzinete, Ivonete, uma Nete, não lembro direito. E ela era uma mulher muito gostosa. Todo mundo tinha terríveis intenções para ela. E ela não sobrava pra ninguém. A foto dela que tínhamos estava com um borrão. Ficamos discutindo o que fazer. Pensamos até em repetir uma manchete que havia causado certo furor -"Morte no Treme-Treme" (de imediato as pessoas acharam que se tratava de morte ocorrida em prédios de São Paulo; na verdade, estávamos nos referindo ao terremoto no Chile). E aí aparece a foto da moça. Alguém disse que estava parecendo um fantasma. Eu gritei: "Está aí a manchete!". Fomos compor e o título que deu foi "Loira Fantasma Aparece Em Banheiro De Escola".
A escolha da manchete foi aleatória?
Sim. Bolamos a manchete de acordo com o número de caracteres que precisávamos. Assim que o jornal saiu, fomos comer e passamos em uma banca de jornal. Não tinha nenhum NP. Perguntamos ao jornaleiro o que havia acontecido com o jornal e ele nos contou que já havia esgotado.
Qual foi a reação de vocês?
Nós não entendemos nada. Só sei que muita gente ligou para a redação afirmando que também tinha visto a Loira Fantasma no banheiro de escolas.
Como chamam os outros criadores da Loira?
Minas Conjumijan e Sérgio Costa, já falecido. Nós três criamos a Loira Fantasma.
Não havia, na época em que vocês inventaram a história da Loira, nenhum boato, nenhuma informação de que corria pela cidade uma história dessas?
Nada. Tudo começou com a foto da funcionária. A gente usou o banheiro como palco para a aparição dela, repito, por mero acaso, necessidade de fazer valer o espaço da manchete.
E por onde anda essa moça que foi a responsável pela história toda?
Ela não acreditou que a foto era dela por causa do borrão, bem no rosto.
Ah, o borrão é o algodão...
O borrão é o algodão que as pessoas viam. Essa história rendeu muito. Uma coisa surpreendente: você acha que essa Loira aparecia em que escolas?
Nas situadas em regiões periféricas, talvez...
Eu também achava. Mas a Loira apareceu em todo tipo de escola. Tem uma história que aconteceu no Colégio Rio Branco, quando ainda se localizava em Higienópolis. Um dia entra uma senhora rodeada por um bando de mocinhas todas em prantos. Tinham acabado de ver a Loira. Não dava pra não rir. A senhora era a diretora da escola. Ouviu as meninas gritando, foi ver o que era, pegou a máquina fotográfica e fotografou a Loira. Pensei: "Se esta mulher estiver com uma foto da Loira, eu vou me internar". Mandamos o filme para o laboratório e, quando ficaram prontas as fotos, cadê a Loira? As fotos eram de um banheiro vazio. A senhora gritou: "Está vendo como é fantasma? Se fosse gente tinha saído nas fotos!".
Chegando nesse ponto, a coisa estava ficando complicada. Vocês não pensaram em publicar uma matéria revertendo ou encontrando uma outra saída para a Loira?
Fomos conversar com um psiquiatra, Miguel Possi Neto. Segundo ele, não bastava a gente dizer que tudo aquilo era mentira, o problema maior era fazer o leitor acreditar que era mentira. Nos fez então uma proposta: publiquem que é mentira e verão se os leitores acreditam ou não. Nessa altura nós estávamos recebendo pressões de todos os lados, inclusive da Secretaria da Educação. A molecada não queria ir ao banheiro.
Eu mesma só ia em casa.
As pessoas que não conseguiam se controlar, usavam os corredores, a própria sala de aula. Isso criava um grande problema. Então demos a manchete: "Loira Fantasma Era Farsa". Ninguém acreditou no desmentido. Recebíamos telefonemas absurdos, dizendo que estávamos escondendo alguma coisa. A Loira continuou aparecendo.
A Loira Fantasma não foi só vista em São Paulo.
Não. Ela pegou inicialmente a Anhanguera e foi aparecendo em outras cidades, daí em outros estados.
E a tal da Luzinete nem lucrou com a história da qual foi protagonista.
Nada. Pior que isso. Uma prima dela jurou que também tinha visto a Loira.
Você tem idéia do paradeiro dela?
Há um tempo atrás eu soube que ela havia se casado e tinha um restaurante no caminho de Bertioga.
Para acabar ou diminuir a importância de uma história, nada melhor do que inventar outra.
Para substituir a história da Loira Fantasma, criamos o Bebê Diabo.”
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