Mistério da coquete desaparecida

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Duas horas antes da chapeleira Louise procurar a Polícia para saber do paradeiro de sua amiga Ivone Marie Courtouger, agentes do então Departamento geral de Investigações já estavam em ação. Corria o ano de 1937. A mulher havia desaparecido e o delegado Frota Aguiar estava certo de que a bela Ivone fôra morta. Seria mais uma das vítimas da poderosa rêde de mercadores de escravas brancas, a Migdal, uma organização internacional. O misterioso desaparecimento de Ivone Marie Courtouger, ou melhor, Pierrot, seria daí em diante um dos casos mais famosos da literatura policial, verdadeiro clássico pontilhado de lances cinematográficos. Gigolôs encasacados seriam os supostos autores de sua morte.

Os agentes da polícia, durante vários anos, gastaram muita sola de sapato em busca de uma pista. Diligências foram empreendidas em alguns estados. Buscas também infrutíferas foram feitas nas matas do Corcovado, nos abismos da Vista Chinesa, nos pântanos da Baixada Fluminense e ao longo das praias desertas do litoral carioca. A Polícia vasculhou todos os pontos em que fosse possível esconder um cadáver ou abandonar os despojos de um corpo esquartejado. Não faltou, na época, nem mesmo quem dissesse que a bela milionária teria sido consumida em ácido, numa banheira de conhecido hotel da Av. Niemeyer...

Então, Pierrot morreu.

- Mas, onde está o cadáver? – pensou um dia desconfiado o detective Bechara Jalkh. E bateu na tecla que viria a ser o ponto da partida de suas investigações.

Elisabeth substitui Pierrot


Na época do desaparecimento de Pierrot, no Rio, surgia em Belo Horizonte, certa mulher bonita, com sotaque francês, parecidíssima com a pessoa que todos procuravam como vítima de tenebroso crime. Apresentava-se como Elisabeth Blum, e vivia maritalmente com o rico fazendeiro José Francisco Macedo, conhecido como “Zé do Lote”. O casal morava sempre em grandes hotéis, inclusive num já desaparecido, o Hotel Santa Cruz. Elisabeth, hoje com 53 anos, vive sòzinha em Copacabana, usufruindo rendas e propriedades que lhe teriam sido deixadas pelo fazendeiro milionário. A relação estabelecida entre Elisabeth Blum e Pierrot deve-se a José Procópio Filho, funcionário da Agência do banco do Brasil, em Belo Horizonte. Diante de uma fotografia de Pierrot, o bancário não teve dúvidas em identifica-la como Elisabeth. Mas, tal fato não era bastante para uma conclusão. O detective Bechara, conseguiu uma seqüência fotográfica de Elisabeth Brum nas ruas de Copacabana, sem que ela o percebesse. E o resultado foi mais surpreendente ainda: Elisabeth, apesar dos 22 anos que separam sua fotografia atual das fotos de Pierrot, possui traços idênticos. Faltam, porém provas mais concretas e sòmente ao alcance da Policia que poderia comparar as impressões digitais de ambas. Outros papéis referentes às duas mulheres estão no Serviço de Registro de Estrangeiros, com a documentação utilizada para a naturalização de Elisabeth e entrada no país para Ivone Marie. A individual dactiloscópica de Pierrot, se não encontrada nos arquivos da Polícia, poderia ser solicitada à Interpol, da Europa.

Pierrot seria Elisabeth


No âmbito policial o Delegado Pires de Sá, trabalhando em equipe com os comissários Helber Murtinho e Ivan nascimento estão desenvolvendo diligências para esclarecimento total doc aso. Acredita-se que Pierrot, na época, estando na mira da Zwig-Migdal – que desejaria exterminá-la por haver denunciado à Polícia a atuação da quadrilha, procurou fugir. Em Minas, conhecendo fazendeiro milionário de que nos falam as investigações, teria aceitado sua côrte, passando a viver em suas fazendas, no interior de Minas. Presenteada com terras e propriedades, teria preferido abandonar seus bens no Rio (um edifício de apartamentos) e partirem busca de segurança e uma existência mais tranqüila no futuro.

Elisabeth Blum, no Serviço de Registro de Estrangeiros, segundo os documentos apresentados para sua naturalização, nasceu em Bihor-Colin, na Romênia, a 28 de agôsto de 1906. É filha de Gavril Blum e Irma Blum. Chegou ao Brasil antes de janeiro de 1935, desembarcando em Santos e já residiu no Rio na Rua Martins Ferreira, 38. Em 27 de julho de 1937 (época do desaparecimento de Pierrot) Blum foi aos Estados Unidos com o passaporte nº 0113209, tirado na Legação da Romênia em 24/7/37. Em 11 de dezembro de 1937, já na Romênia, obteve o visto em seu passaporte para voltar ao Brasil.

O repórter obteve, também, cópias caligráficas das assinaturas de Pierrot e Elisabeth, parecendo à primeira vista, de uma só pessoa. O Instituto de Criminalista poderá dar a última palavra procedendo a um exame grafotécnico nas duas assinaturas. Mas sòmente as impressões digitais dirão, em definitivo, se Elisabeth é ou não Ivone Marie.

O relatório secreto de Bechara Jalkh


O Delegado Pires de Sá está de posse do relatório secreto que o detective Bechara Jalkh enviou-lhe, ao receber uma contra-ordem de suspender as investigações. Nesse documento, o detective historando suas atividades, no decorrer das diligências que efetuara em Minas, revela da época, 1937, sem que jamais fôsse cogitada essa possibilidade. Eis os principais pontos abordados pelo detective:


  • Tudo faz crer que Elisabeth Blum seja a mesma pessoa que Pierrot, isso porque as coincidências são muito fortes. Por exemplo:
  • Um indivíduo que conheceu Elisabeth, há 15 anos, afirmou-nos que as fotografiasde Pierrot eram retratos perfeitos de Elisabeth;
  • Blum surgiu, em Belo Horizonte, na mesma época em que Pierrot desapareceria no Rio;
  • Ninguém pode afirmar qual seja a procedência de Blum;
  • Blum era dada a noitadas alegres, ostentava sempre muitas jóias e vestidos vistosos, dando-se ao vício da roleta – como também fazia Pierrot;
  • Pierrot valia-se de sua beleza para aumentar seu patrimônio imobiliário o que, Blum, segundo informações, fazia;
  • Sabe-se que o falecido “Zé do Lote” costumava confidenciar aos amigos haver tirado Blum da vida alegre. Como a vida de Blum em Belo Horizonteera recatada, logo seu local de ação deveria ter sido o Rio de Janeiro, onde vivia Pierrot, freqüentando os cassinos.
  • Ambas são estrangeiras e têm sotaque francês. Blum, apesar da idade de 53 anos (que seria a mesma, hoje, de Pierrot), tem semelhança fisionômica extraordinária com Ivone Marie Courtouger. Nunca se soube de parentes seus. Pierrot, entretanto, teria ainda, viva, no Rio, uma irmã.

    Reportagem de Hélio Rocha, publicada na Revista Manchete edição nº 383, 22 de janeiro de 1959. Páginas 79-81.

    [Ouvindo: De Palmita A Tablita - Simo Damiron]
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    16Comentários

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    1. Só hoje tive tempo pra ler. Bechara Jank, figurinha fácil no Rio doutrora...

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    2. Letícia, e parece que é o único que ainda está vivo. O delegado Frota Aguiar é até patrono de um lugar.

      Achei um livro sobre o caso, envolvendo diretamente a Zwig-Migdal.

      Acho essa história um argumento pronto! Poderia ser uma vampira Romena. Ainda mais come esse nome. O que explicaria ela preservar os traços jovens depois de 10 anos.

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    3. Bechara Jalk ainda vive? Ô, meu Deus!

      Quando eu era pré-adolescente, no Rio, esse cara voltou à evidência. Se não me engano, uma filha dele se envolveu com um padre numa paróquia na Zona Sul. O padre sumiu de lá e eis que, um tempo depois, vimos o cara celebrando o casamento de uma parenta de nossa tia postiça, lá na Embaixada Fruminense...

      Zwig-Migdal - tenho de lembrar desse nome pra consultar minhas fontes do sexto andar. Papai há de saber. Será que tem que ver com as polacas tb.? Me dá umas horinhas e já dou retorno.

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    4. Letícia, tem um post daqui mesmo, em 2008, que a gente (eu e você) fala sobre ele.

      Pelo que entendi, ele era um herói da vida real dos tempos em que detetives eram hype.Dava versões diferentes da polícia em casos famosos como o Claudia e daquele garotinho sequestrado nos 70.

      Ah, o livro se chama "Quem Matou Pierrot? A Zwig-Migdal?" dos anos 90.

      Parece que tem relação com as polacas sim.

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    5. Hummm... Preciso dar de cara com este livro por aí...

      Papai não lembra de nada. Nem de Pierrot, nem de Zwig-Migdal. Bem, ele era criança!

      Mas deve ter que ver com as "polacas", nome genérico de qualquer etnia a propos daquela época.

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    6. Letícia, tem, chuchu! Cheguei na pesquisa a um site que a princípio curti, mas depois vi que era daqueles preconceituosos estigmatistas. Era algo como "Judeus e a indústria pornográfica".

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    7. Que horror! Nada que ver.

      É a mesma coisa que dizer "brasileiros e a indústria da prostituição".

      Bom, né? Não! Pois é o mesmo tipo de generalização jeca.

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    8. Letícia, algumas informações eu desconhecia, eram bacanas. Mas o teor do site era que eles fazem "mal à sociedade". Bá!

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    9. Esse tipo de coisa ainda existe, e muito. Você sabe meu sobrenome. Na verdade, ele é tão vira-lata que se presta a qualquer etnia. Mas um e outro, quando o veem, sempre o associam a UMA sÒ etnia. Bocejos... Mas há quem sofra quando passa por esse tipo de situação.

      Essas pessoas mereciam passar 10 anos enjauladas em Nova York.

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    10. Letícia, VEEEERDADE! Não lembrava do seu sobrenome de ~cientista louca~ que quer dominar o mundo!

      Generalização é muito coisa de gentinha. Pessoas que não estudaram porcaria nenhuma na vida. Limitadas ao umbigo.

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    11. Lá vou eu arrumar sarna pra me coçar...

      Bechara Jalkh era um doidivanas, sensacionalista, capaz de tudo para sua promoção pessoal. Exatamente o que não pode ser um detetive, concordam? Foi entrevistado pelo Pasquim, no auge do jornaleco, que era formador de opinião (doa em quem doer). No 'caso Carlinhos' (o menino raptado nos anos 70), tudo o que ele fez foi aparecer. Enfim, BJ era vedete, não podia ver um holofote, era alguém mais para Mara Rúbia que para Sherlock Holmes, se é que me entendem.

      'Polaca' era até outro dia sinônimo de prostituta. Judeus têm a ver, sim, com o estigma. As moças eram enganadas, trazidas da Europa (não só da Polônia, também da Romênia, da Hungria etc.) para "casar com bons partidos judeus" na América do Sul. O destino delas era sempre Buenos Aires — onde eram escravizadas por máfias formadas por judeus poloneses, que trabalhavam no mercado infame de escravas brancas. De lá, eles enviavam as escravas para prostíbulos em várias cidades do Brasil e de todo o continente americano, inclusive EUA.

      Muitas fortunas judaicas foram construídas explorando prostituição, mercado de escravas brancas e pornografia, sim — grande parte da pornografia que se espalhou pelo mundo, a partir do final dos anos 20 até começo dos anos 50, foi produzida em Buenos Aires, por pornógrafos judeus mafiosos, com as 'polacas'.

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    12. Refer, enfim, utilizava a fama da profissão no cinema para aparecer. Desencavando casos como este da Pierrot, por exemplo.

      Yes, mas o texto que encontrei ia até a atual Vivid, a maior empresa pornô da atualidade. Cheio de estigmas como comentei acima.

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    13. Eu lembro desse sensacionalismo todo de BJ...

      Refer, concordíssimo! Aliás, se eu te contasse umas coisas...

      Mas isso não significa que toda a comunidade seja assim, certo?

      Pra falar a verdade, metade da comunidade judaica tem desprezo por essa outra metade aí.

      Digo mais: identificam tais origens suspeitas pelo nome...

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    14. Letícia, mas só estamos falando dele hoje, aqui, exatamente pelo espalhafato. Isso é engraçado!

      Personagem até ingênuo comparando com as sub celebridades de agora.

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    15. Do BJ?

      Na última parte do meu comentário me referia ao plá das "polacas", que o Refer explanou.

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    16. Letícia, ah sim! Me referia apenas ao BJ.

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