O que faz Psicose genial até hoje

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Estreava hoje (16 de junho) em Nova York, há 50 anos, o filme que revolucionaria o cinema. Psicose (Psycho, 1961) mudou os rumos não só do gênero horror, mas de como a industria precisava agir.

Isso tudo vindo de um senhor inglês então de 61 anos de idade, com 32 anos de carreira, responsável por cerca de três dezenas de filmes, a maioria sucessos de bilheteria. Alfred Hitchcock teria aqui seu maior sucesso comercial.

Imitado e analisado à exaustão, à primeira vista o filme é de uma simplicidade única. Embora logo nos primeiros minutos aconteça a grande ousadia envolvendo a ladra arrependida Marion Crane (Janet Leigh).

A feitura dele é um caso a parte. Por ser considerado um veículo de comunicação de segunda classe, na época era quase sacrilégio falar em televisão entre o povo do cinema.

O velho Hitch, mesmo consagrado, entendeu que tal eletrodoméstico seria fabuloso para sua infindável busca por autopromoção. Abraçou a TV, dando seu nome a uma série de histórias curtas de suspense.

Alfred Hitchcock Presents deu tão certo que durou sete temporadas, entre 1955 e 1962. Ele ficou mais famoso ainda, reconhecido como “O Mestre do Suspense” até por quem nunca tinha ido assistir a seus filmes.

Usando a mesma equipe do programa, ele prometeu fazer o filme mais barato de sua vida. Ironicamente (ou não) se tornou o mais rentável.

Vem daí uma das contradições a respeito. Produções coloridas eram infinitamente mais caras, estavam se tornando comuns pela competição Hollywood VS. TV (ainda P&B), mas voltadas quase sempre para filmes com apelo comercial mais forte.

Como a promessa era de baixo custo, igual ao dos episódios, provavelmente venha daí a opção pelo preto e branco. Sem falar da intenção de fazer caixa com os telespectadores que já se acostumavam a assistir coisas sem cor na TV de casa.

Esperto, para promovê-lo, o gorducho disse que era P&B para não chocar a plateia com o vermelho do sangue na tela. A meia verdade é repetida como “curiosidade” até hoje.

No cinema de horror, o que fazia filas na porta dos cinemas eram os da produtora inglesa Hammer. Desde A Maldição de Frankenstein (The Curse of Frankenstein, 1957) o pequeno estúdio se deu bem ao reutilizar os monstros clássicos que os americanos já tinha usado e depauperado nos anos 30 e 40, o diferencial era justamente o sangue, muito sangue, em cores berrantes!

Assustar com Drácula, Frankenstein, múmias, consistia em tomar proveito da fé cristã da público. Se você não for um bom menino e adorar a cruz, olha só o que vai te acontecer, e assim por diante.

Psicose veio nos contar que o diabo não está num castelo empoeirado, numa época remota. Está entre nós, pessoas de mentes tão distintas! Quer coisa mais assustadora que essa?

Algumas produções europeias já tinham cantado a bola, como As Diabólicas (Les Diaboliques, 1955) de Henri-Georges Clouzot, que aliás, se baseava em livro que Hitchcock havia demonstrado interesse em adquirir os direitos. Ele não foi o primeiro, mas foi o primeiro com estrondoso valor comercial a apontar o caminho.

Semelhanças além das estéticas há no também francês Os Olhos Sem Rosto (Yeux Sans Visage, 1960) de Georges Franju. A sequência inicial do suspense, com uma moça suspeita ao volante, tem muitos frames quase idênticos à fuga nas estradas de Psicose.

Não é nada perto da obra-prima que Hitchcock dirigiu. Tão rico que cada vez que se assiste nota-se coisas desapercebidas.

Seja no tom da lingerie que Marion Crane vai trocando conforme muda de pensamento, seja nas dezenas de reflexos e sombras que os personagens vão mostrando em espelhos e vidros. A história trata das partes que a mente humana se divide desde os créditos iniciais desenhados por Saul Bass.

Mas há mais coisas aí! No documentário O Guia Pervertido do Cinema (The Pervert's Guide to Cinema, 2006) o psicanalista Slavoj Zizek aponta algo realmente genial!

A mansão Bates, onde vive o psicótico Normam, representaria as três partes em que Freud dividia a personalidade humana: id, superego e ego. Faz sentido numa película cujoo título se refere a um quadro psicopatológico.

O porão, onde ele esconde a mãe mumificada, e pratica a taxidermia, é o id, a mais profunda da psiquê humana. Lá estariam depositados os impulsos instintivos dominados pelo desejo de prazer.

Térreo e hotel seria o ego, parte da personalidade que está em contato direto com a realidade externa. Quando Norman aparenta ser uma pessoa comum, amigável.

Segundo andar, de onde se ouve os gritos da senhora Bates xingando as atitudes do filho, representaria, o superego. Espécie de polícia interna. É aquela voz que parece ser o senhor da razão, julgando nossos atos e, na maioria das vezes, censurando-nos.

No meio do conflito entre os desejos do id e a censura do superego, estaria o ego. O cenário principal do filme é a mente do assassino!

Definições psiquiátricas oferecidas por Psicanalistas "mente sana"

Veja também:
Ed Gein, o Norman Bates da vida real
Figurinos de Psicose e a mudança de conduta
Lobbycard brasileiro de Psicose



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8Comentários

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  1. adorei o post!
    Acho que assistir psicose mudou minha percepção em muitos outros filmes.

    Aliás, é uma obra incrível; é assustadora sem apelar para violência explícita, ao mesmo tempo em que deixa algumas coisas abertas à interpretação, mas sem ser vago.
    Hoje em dia muitos filmes tentam criar uma atmosfera densa de mistério, e acabam sem saber explicar, deixando a gente a ver navios.

    Enfim, eu poderia ficar aqui escrevendo horas sobre isso.

    Parabéns, Miguel. Seu blog mata a pau sempre!

    @paddy_rox

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  2. Paddy, estranhamente quando assisti na primeira vez eu não vi graça. Deve ser muito novo ou esperava algo além de um filme, olha que burro!

    Agora quanto mais o assisto mais me encanto.

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  3. Quando eu vi a primeira vez, já tinha uns 16 anos... eu me lembro de o filme acabar e eu estupefato na frente da TV.
    Claro que não poderia pensar tão profundamente quanto eu posso nos dias de hoje, mas causou efeito.

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  4. Paddy, eu gostei, mas não gostei um terço do que gosto hoje. Até pq, ele está muito saturado de tanta cópia, inspirações, sátiras, etc.

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  5. Miguel, ótima análise, ótima, ótima!

    Terminei de ler (a serviço, mas foi um prazer) "A Casa do Delírio", sobre os casos do Manicômio Judiciário de Franco da Rocha. O real, a mente humana e suas distorções, isso sim é fascinante.

    Monstros, diabinhos e cadáveres maléficos nunca fizeram minha cabeça.

    Aliás, nada que envolva o sobrenatural. Comecei outro livro, sobre seres em Marte. Estou me torturando aqui, porque não tenho paciência pra essas coisas...

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  6. Letíca, queria rever Psicose com tudo isso em mente. Mas já assisti ao bichinho tantas veze...

    Que livro! Vou tentar achar quando der.

    eu acho essas coisas engraçadas em seu exagero.

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  7. Miguel,
    Ótimo post do gorducho. Também não me canso de rever o filme. As vezes pego o DVD do box e vejo o doc e outras cenas. Se estiver passando na TV paga, paro pra ver. Pra mim o maior choque não foi o desfecho do filme (história), que acho bárbaro, mas sim o que Hitch fez em cada plano - ele realmente fala além da imagem e é esse tipo de elipse que não vemos mais por aí. E pensar que já se passaram 50 anos.
    Abraço!

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  8. Alan, inteligente e popular! Dom de pouquíssimos.

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